Estou a escrever-te para dizer que não gosto de escrever nem de ler, aliás, porque me obrigaram a fazer isso da pior maneira, toda a minha vida, e nunca explicaram para que precisava eu de ser submetido a esta violência.
Estou a escrever-te pela primeira e última vez, espero, só para contar como foram os meus fastidiosos momentos na companhia dos livros: foram horas em que o tempo se arrastava por entre a minha aflição de não entender nada, enquanto pessoas que pareciam compreender tudo falavam acerca das palavras escritas e ainda das que lá não estavam, mas que eles garantiam saber que estariam, se os autores tivessem desejado.
Estou a escrever-te sobre a angústia de não nos deixarem escolher sequer uma palavra, um modo diferente de dizer as coisas, sobre a revolta de te obrigarem a ouvir raciocínios numa linguagem que não é a tua e ainda de terem a pretensão de saber sempre o que te fará bem à mente e por isso terá que ser lido, sem nunca, nunca alguém parar para escutar um pouco o que gostaste mais por entre o que foi ouvido, o que sentes que te faz bem à alma.
Estou a escrever-te para me poder revoltar ao menos com alguém, já que até hoje nunca senti que ler ou escrever fosse uma conversa, mesmo quando alguns fragmentos do que lia e por sorte entendia merecessem resposta.
Porque também me ensinaram que deveria aprender a copiar muito os outros (os tais que escrevem de maneira que eu não entendo) e não quiseram nunca saber das palavras que me nascem na mente quando sinto coisas, ou quando as coisas se insinuam em mim.
Talvez que se alguém me contasse, ao invés de mandar ler apenas, se alguém desfolhasse estes livros herméticos primeiro, eu tivesse podido entrar a medo nestes quartos escritos de paredes pintadas e me tivesse encostado a um canto para apenas ouvir o seu som e decidir devagar o que ele consegue fazer vibrar em mim.
Talvez que se alguém apenas oferecesse a canção da leitura, o poder do afago, não da seriedade das palavras, eu tivesse sido cativado pelos decibéis deste som e depois, devagarinho, me ensaiasse a tocá-lo.
Trago a impressão dolorosa que um livro é algo familiar ao contato, que a minha essência humana quer detê-lo, mas há sempre alguém que me convence que só com muito treino e uma enorme habilidade eu conseguirei decifrá-lo e que me devo deixar guiar pelos passos, pelas técnicas, esquecer por ora o natural, o sentimento.
Mas a verdade é que nada disso aconteceu; estou num reino surdo, onde nasci com a capacidade da comunicação em palavras e não sei ainda o que lhes faço, muito embora elas andem a pular dentro de mim.
Madalena San-Bento
crónica publicada em "PRL Presente", «Açoriano Oriental», 27 abril 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário