De direitos se faz a história do nosso tempo. Não há quem não tenha direitos e muito menos quem não esteja seguramente consciente de que os tem e de que deles pode sempre usufruir. Os deveres é que. Mas aqui de livros se trata – de livros e de leitura. Direitos que a todos deveriam interessar, embora haja quem deles prescinda.
Havendo leitores, é necessário concluir que lhes assistem direitos. Assim o pensou Daniel Pennac, elencando uma lista de dez direitos que ao leitor dizem respeito (cf. Como um Romance, Ed. ASA, 1992, p. 155): o direito de não ler, o direito de saltar páginas, o direito de não acabar um livro, o direito de reler, o direito de ler não importa o quê, o direito de amar os “heróis” dos romances, o direito de ler não importa onde, o direito de saltar de livro em livro, o direito de ler em voz alta, o direito de não falar do que se leu. Se não tivermos em atenção o primeiro direito (que é óbvio, mas faz do leitor um não-leitor), todos os outros configuram uma salutar liberdade do leitor perante o livro – ler sem liberdade é, de facto, algo que só pode reverter em desfavor da leitura; ler por obrigação e de forma necessariamente “certinha” é o caminho seguro para o leitor (sobretudo o leitor jovem e iniciante) se afastar da leitura. Pelo contrário, ler de acordo com o seu “estilo” próprio, fazer do livro um amigo com quem se está à vontade, é via para um desenvolvimento do prazer de ler. Os direitos do leitor não se esgotam – como diz, aliás, Pennac – nos propostos. De facto, apetece acrescentar alguns: o direito de ler o livro todo, o direito de acabar o livro, o direito de falar do que se leu, o direito de sonhar com o que se leu, o direito de aprender com o que se leu, enfim, seria a lista interminável.
E quanto a deveres, essa palavra que tão arredada anda do nosso vocabulário? Quando se trata, em particular, de uma actividade que deve, antes de tudo, proporcionar prazer (pois, se o não proporcionar, vã será a leitura), falar de deveres torna-se, provavelmente, pouco oportuno. Com efeito, dever opõe-se, as mais das vezes, a liberdade – e a liberdade tem de presidir ao ato de ler, a fim de que este seja profícuo. No entanto, ousamos aqui aventar alguns deveres do leitor. Em primeiro lugar, o respeito pelo livro – pelo objeto que é e que merece ser preservado, nem que seja por princípio ecológico. Não respeitar a integridade do livro é uma ação que revela, no mínimo, falta de civismo. Outro dever do leitor é não desvirtuar as palavras de quem escreveu – dever, como o primeiro, alicerçado no respeito. O terceiro dever será o de ser crítico relativamente ao que se lê, também manifestação de civismo.
Não querendo maçar o leitor com uma elencando de deveres que lhe poderiam ser desagradáveis, por aqui nos ficamos, com uma sugestão: leiam, usufruam dos seus direitos. E não esqueçam os seus deveres.
Paula de Sousa Lima
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