A atividade de ler é, regra geral, considerada solitária. Associadas à leitura, assaltam-nos normalmente imagens algo estereotipadas, que fazem parte de um imaginário coletivo “consagrado”. E as imagens que nos assaltam mais recorrentemente são a do académico introvertido, mergulhado na leitura e alheado do mundo, ou a da jovem sonhadora que procura um local isolado para se entregar à “rêverie” que o livro proporciona.
Conquanto a leitura seja fonte de satisfação intelectual ou preencha a necessidade de sonhar, de viajar imaginariamente, e, nestes contextos, se prefigure como uma atividade solitária, note-se que jamais o é exatamente. De facto, como diz André de Mourois, “a leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde.” Assim, a solidão esbate-se no “diálogo” com o livro: quem lê não está sozinho, antes acompanhado pelas palavras de outros, daqueles que deixaram o seu pensamento, o seu saber, a sua alegria, a sua tristeza... tudo isto impresso para que com uma infinidade de vozes//de mundos se pudesse dialogar. Mesmo assim, ler não implica necessariamente mais do que uma pessoa e um livro - o que é suficiente e satisfatório.
Todavia, a leitura pode abrir-se a interações mais amplas do que a de um leitor com um livro. Quem lê um livro pode encontrar outro leitor que passou pela mesma experiência (ou seja, leu o mesmo livro, um livro do mesmo autor ou um livro versando o mesmo tema) e, forma espontânea, com esse outro leitor entabular um diálogo profícuo, que faça da leitura um ato de interação. Para que tal interação não se faça apenas casual e esporadicamente, têm sido criados os chamados clubes de leitura, onde leitores, sobretudo de idade mais “tenra”, comungam as suas experiências de contacto com o livro, partilhando experiências e desenvolvendo outras atividades decorrentes da leitura, como forma de fazer do ato de ler algo que ultrapasse o momento solitário de encontro com o livro - que é único e muito pessoal, mas não intransmissível. Para além dos clubes de leitura ou de outros “espaços” afins criados como salutar objetivo de fazer da partilha da leitura algo enriquecedor e aprazível, não esqueçamos o espaço familiar como um dos mais privilegiados para a partilha de leituras, para o gosto de dividir o que se leu comos que nos são mais próximos.
De atividade solitária - num sentido estrito - a atividade de partilha, de encontro também com os outros (para além daqueles que o livro nos apresenta como, por vezes, amigos para sempre), a leitura será sempre a passagem do estar realmente só para o estar, de alguma forma (quiçá da melhor), acompanhado – acompanhado de vozes que se nos fazem íntimas pelo diálogo que connosco estabelecem. Podemos guardar essas vozes connosco ou transmiti-las a outros.
PAULA DE SOUSA LIMA
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